Desconstruindo a arquitetura
O desconstrutivismo ganhou destaque a partir dos anos 1980 e, seus traços, são os mais intrigantes e ousados dentro da arquitetura
O doutor em arquitetura e urbanismo, Silvio Stefanini Sant’Anna, defende em suas teorias a arquitetura desconstrutivista e ao contrário do que muitos pensam, a arquitetura desconstrutivista não é um estilo de arquitetura propriamente dito, mas sim uma vertente de pensamentos, como uma provocação, proveniente de um movimento da pós-modernidade que surgiu dentro da filosofia pelo filósofo francês Jacques Derrida. Sem um conjunto de regras pré-estabelecidas, projetos que seguem esse formato vieram de encontro ao que era a construção da realidade na modernidade, estabelecido diante de pensamentos impostos e unificados, como explica Silvio: “Na pós-modernidade a sobreposição das realidades são constantes. O desconstrutivismo significa a criação do novo pensamento através da desconstrução da realidade anteriormente formulada, o que sempre gera probabilidades de novos conhecimentos, isso feito sem perder a origem do pensamento.” Nesse sentido, ele afirma que na “arquitetura a apropriação desse pensamento tem reflexo direto na forma de propor e conceber novas edificações e sistemas de vivenciar ‘o espaço arquitetônico e urbano.”
Identificar construções que se enquadram no conceito desconstrutivista não é tarefa das mais difíceis, pois nelas não há um padrão estético ou mesmo uma identificação com estilos já conhecidos como o neoclassicismo ou o modernismo. Talvez seja até ao contrário. Em suma: quando não há qualquer identificação estética, projetos que rompem com as normas geométricas da arquitetura e, nas palavras de Silvio, “a visão distorcida do espaço ortogonal, como se houvesse uma deslocação do sujeito em relação ao objeto observado, ou seja, a possibilidade de olhar o espaço de formas diferentes gerando uma atemporalidade”, tem-se aí o desconstrutivismo. Importante mencionar que, enquanto obras emblemáticas e atemporais que são, os projetos que seguem o desconstrutivismo têm assinaturas de arquitetos que podem ser considerados artistas, até por que a arquitetura é, também, uma forma de arte. “A princípio todo arquiteto possui uma alma de artista. Apesar de estar atuando dentro de um contexto técnico, o propósito de sensibilizar sempre deve estar presente na obra arquitetônica. Mas, arquitetura se difere da arte por estabelecer com clareza as evidências de um propósito mesmo que aparentemente não seja reconhecido pelo observador como no desconstrutivismo”, pontua o professor doutor assistente da Universidade Presbiteriana Mackenzie onde faz parte do Colegiado do Curso de Arquitetura e Urbanismo.
Quebra de paradigmas
O desconstrutivismo, quando surgiu, fez as pessoas perceberem que era possível quebrar as barreiras geométricas consensuais da arquitetura e, assim, surgiram algumas obras icônicas por renomados profissionais mundo afora, entre os quais Zaha Hadid, Frank Gehry, Peter Eisenman e Daniel Libeskind. Mas, façamos aqui uma breve pausa para a história. O desconstrutivismo tem inspirações no construtivismo russo de 1920 que já pregava assimetria em projetos arquitetônicos nos quais a estabilidade das formas, a ordem e a harmonia geométrica dos traços estão fora de cogitação. E isso nos leva de volta à quebra de paradigmas, pois o desconstrutivismo vai além de suas linhas irregulares, concorda Stefanini. “Outra característica marcante é a capacidade informativa gerada pelo ilusionismo e abstração do espaço proposto realizado através de desafios tecnológicos de concepção (recursos infográficos) e realização, desempenhando seu papel evolutivo na sociedade. Olhando pela perspectiva formal, a fragmentação, as distorções, as quebras e as rupturas da composição são elementos característicos dessa arquitetura, no entanto, sempre será importante o conceito por trás do desenho formal”, esclarece o professor, ao mesmo tempo que pondera sobre ‘funcionalidade’, quando aplicado a esse tipo de construção. “Em projetos muito funcionalistas como hospitais e áreas da saúde, por exemplo, além de outras, é claro, esse tipo de criação não seria adequado. São propostas melhores adaptadas às arquiteturas de exceção, como museus, galerias e obras que criam um marco simbólico no tempo e no espaço.”
Terras do Brasil
Ainda não há no Brasil obras de grandes expressões desconstrutivistas, mas, se vale uma interseção, segundo Silvio, “o showroom da Ferrari e Maserati na Avenida Brasil, em São Paulo, do arquiteto José Wagner Garcia chama atenção pelas formas arrojadas.” De qualquer modo, o jovem país chamado Brasil tem mentes promissoras, como bem se sabe e, como lembra o professor: “as rupturas sempre tiveram espaço nas indagações e questionamentos que estruturam nossa sociedade. Na velocidade das transformações nos dias de hoje, o surgimento de efemeridades é constante. A desconstrução foi uma forma de entender a abissal necessidade de discutir as mudanças sociais. Com certeza, existirão outras.”