Arte na Arquitetura e Interiores
O Connectarch entrevistou com exclusividade Allex Colontonio, dos Decornautas, que falou sobre arte, arquitetura e interiores. Confira!
Por Ivan Dognani
Arte e Arquitetura se entrelaçam e são tão parte uma da outra quanto a uva é do vinho. Muitos acreditam que a Arte chega como forma de inspiração ou apenas para embelezar um projeto arquitetônico ou de interiores. Mas a Arquitetura por si só já é uma arte. Aliás, segundo o polêmico “Manifesto das Sete Artes”, escrito no início do século XX pelo italiano Riccioto Canudo, a Arquitetura é a primeiríssima arte clássica, antes mesmo das esculturas, pinturas, música e da literatura, como lembrou Allex Colontonio em entrevista exclusiva para o Connectarch.
Com uma carreira consolidada no mercado editorial brasileiro focado em arquitetura, decoração e design, Allex também é uma referência em conteúdo online devido ao vasto conhecimento e aos anos como diretor de arte de grandes revistas.
A arte influênciando projetos arquitetônicos
Para Allex, Arte e Arquitetura são indissociáveis entre si, enquanto expressão, idealização, materialização. Ele relembra o “Manifesto das Sete Artes” e concorda dizendo que se trata essencialmente de abrigo, da arte de projetar o espaço que o outro vai ocupar – e desenvolver ali suas atividades mais elementares, como comer, dormir, amar, viver – indo ainda mais longe, da mais humana de todas as artes. O crítico acredita que toda e qualquer narrativa, da filosofia à poesia, da música às artes plásticas, pode – e deve – estimular, inspirar, incitar o gesto arquitetônico, muito antes dos complexos saberes técnicos que ela demanda. “Somos um conjunto de tudo o que vemos, vivemos, sentimos, experimentamos ou aspiramos ser. Neste caso, como bem resumiu Oscar Niemeyer, “a arquitetura é um sopro”. E o fôlego vem da arte”, completa.
As obras de arte podem também ser o ponto de partida de um projeto arquitetônico. Allex é categórico em dizer que elas podem, foram e continuarão sendo. “Basta olharmos para a Bauhaus, a escola de arte alemã que (re)determinou os rumos da arquitetura no mundo. Agora rebobine a fita alguns séculos. Trata-se de uma relação recíproca nas duas vias. Do Classicismo ao Realismo, do Simbolismo ao Modernismo, grandes artistas se apropriaram da arquitetura como paisagem em suas pinturas, hoje convertidas em únicos registros históricos daquilo que muitas vezes nem existe mais. Já que inúmeras construções cederam lugar às ruínas da guerra ou do tempo. Acredito que, historicamente, Mondrian seja o artista que mais impulsionou a arquitetura, em diferentes épocas, escolas e escalas. Mas daria para listar centenas de outros casos notórios”, diz.
Ele exemplifica com o projeto de Frank Gehry para a sua própria casa de 1978, assim como o Vitra Design Museum, de 1989, que traduzem o desenho-colagem do Surrealist Apartment de Salvador Dali para estruturas construídas.
As influências na arquitetura brasileira
“Evidentemente que, por conta da colonização, herdamos muito da arquitetura portuguesa. Mas sem planejamento urbano, crescendo de forma desenfreada, acabamos nos tornando um grande pastiche entre prédios pseudo-futuristas e edifícios neoclássicos assombrosos. Mas o lado bom e premiado, segundo Allex, é que a nossa identidade modernista, oriunda da fonte de Le Corbusier, valoriza um gesto muito mais disruptivo do que qualquer escola estilística tradicional. “Até o surrealismo é combustível para os compassos mais sagazes. E já que estamos deslizando por ele, me vem à cabeça as formas sinuosas de Brasília que representam boa parte do nosso legado modernista. Na minha opinião, tudo, simplesmente TUDO, pode ser o ponto de partida de um desenho”.
“A arte não é acessório, é aquilo que te faz bem”
O decornauta tem uma visão bastante crítica a respeito de quem enxerga a arte como mero acessório. “Não quero rotular nada e nem criar polêmica. Mas arte não é acessório e não pode ser vulgarizada. A arte precisa ser vista como algo que lhe faz bem, que lhe diga algo e funcione como uma janela de conexão consigo próprio”. Para ele, não existe uma fórmula específica para classificar um décor como “artsy” a partir de utilitários, a menos que você seja um colecionador e tenha um interesse muito focado nisso, apostando em peças autorais, seriadas, cujos processos produtivos partem de uma escala outra de conceito ou técnica de execução. “Antes que me julguem, não tenho nada contra a produção de massa, ao contrário: sou um entusiasta do acesso e da democratização da arte. Já faz algum tempo que a indústria assumiu sua relação com ela e muitas vezes foi julgada, sentenciada e cancelada por isso”, ressalta.
Arte é arte desde que não seja cópia
Para o jornalista, se você não é um colecionador, um investidor, um iniciado ou um mecenas, é preciso, em primeiro lugar, se desapegar completamente da ideia de que a arte só vale quando balizada por uma grande galeria, marchand, feira ou coisa que o valha. “Arte é expressão, paixão, emoção, sensibilidade, feeling. Tem que ser legal pra você que vai conviver com ela!”. É claro que no pregão da sociedade capitalista, a arte atingiu valor de mercado estratosférico, se tornando, inclusive, um investimento seguro. “Particularmente não tenho preconceito com nada – desde que não seja cópia, evidente, e que não estupre a propriedade intelectual de ninguém nesses tempos de usurpação. Aos amigos, recomendo fotografias de jovens artistas, mais acessíveis, gravuras e por aí vai.”
Arte e personalidade do Design de Interiores
Colontonio define o design de interiores como uma extensão da casca arquitetônica, imaginada para amparar nossas necessidades, anseios e desejos que se desdobram a partir da ideia de acolhimento, aconchego, repouso, reunião, confraternização, reflexão, estudo, diversão. Consequentemente, transborda dos mesmos princípios de ocupação/habitação delineados pela arquitetura tanto como traço estilístico, manifestação de gosto, quanto pelo programa estrutural/organizacional em si. Precisa ser confortável, ergonômico, plástico e, consequentemente, inspirador. “Novamente evocando nosso mestre modernista, ele precisa respirar arte. Senão, sufoca, é estéril, perecível, inócuo”, reflete.
Guardadas as devidas proporções e seus respectivos valores, já que estamos falando de um bem de consumo muito mais caro – ninguém troca de sofá como quem troca de roupa –, o décor é uma forma de expressão tão legítima quanto a moda. Nosso espaço diz muito sobre quem somos. Lá estão impressas as nossas escolhas pessoais, derivadas dos nossos investimentos ou oportunidades. Nem sempre podemos comprar aquilo que sonhamos e somos obrigados a traçar um plano B, C ou D. O importante é reforçar aqui que, entre todas essas escolhas, a arte não pode ser reduzida a um mero acessório.
Artesanato e arte local na arquitetura e interiores
“Tão inculto quanto negar nosso artesanato é combinar sofá com almofada e tapete!”, exclama. Para o especialista, o brasileiro que vive nas grandes metrópoles nega, renega e nega novamente o artesanato regional por pura ignorância, colonialismo. “Não consigo pensar em nada mais cafona do que trocar essas joias legítimas da nossa cultura por réplicas fajutas dos Guerreiros de Xian ou de estátuas tribais que vemos nas revistas gringas”.
Das cerâmicas do Vale do Jequitinhonha às espetaculares cestarias de capim dourado do Jalapão, passando pelas comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas, temos um dos artesanatos mais espetaculares do planeta. Um investimento democrático, que valoriza nossas raízes e enche a vida de beleza. Artesanato brasileiro é o que há de mais cool. “Mas, subindo ainda mais o volume, além do artesanato, a Arte Popular brasileira é um capítulo à parte. O que pode ser mais contemporâneo – e arrasador – do que uma escultura do Véio?”, questiona.
Arte, arquitetura e os decornautas
Os Decornautas são conhecidos por sair do comum e adorar o contraste de cores. Isso faz parte das inspirações artísticas de André Rodrigues e Allex Colontonio, a dupla por trás do fenômeno Decornautas Design House, localizada em São Paulo. “O que você chama de ‘sair do lugar comum’ é a espinha dorsal do nosso trabalho, daquilo que defendemos enquanto jornalistas e diretores de arte, que é um pouco mais de personalidade na arquitetura, na casa e na vida. André Rodrigues e eu apostamos na cor como uma bandeira de liberdade porque cor é expressão, emoção, temperatura. A atual encarnação do nosso living é improvável: vermelha e amarela, as mesmas cores usadas pelo fast food mais blockbuster do planeta, o McDonald’s! Somos amigos íntimos de alguns dos arquitetos mais respeitados do país e eles foram unânimes em dizer ‘não façam isso!’, pois fizemos e adoramos”.
As cores foram inspiradas nas artes plásticas e na arquitetura – na obra “Desvios para o Vermelho” do Cildo Meirelles, e no arquiteto mexicano Legorreta. Tudo o que fazem vem das suas referências artísticas, mas muitas vezes, como mencionado anteriormente, uma poesia ou uma música pode inspirar tanto quanto um quadro.
“Ah, um detalhe: os arquitetos, ainda que contrariados, amaram o resultado Ronald McDonald da sala!”, disse, aos risos.
A definição do grande Ferreira Gullar resume o que é Arte para Allex Colontonio: “A arte existe porque a vida não basta!”.